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Governo Federal obriga empresas e pessoas físicas a informarem seus planejamentos tributários


A Presidência da República, por meio da Medida Provisória nº 685, publicada em 22 de julho deste ano, determinou que as empresas devem informar ao Fisco os detalhes do planejamento tributário que tenham realizado com o objetivo de pagar uma menor carga tributária.

A Medida Provisória estabelece que, até o dia 30 de setembro, as empresas devem enviar à Receita Federal um detalhamento dos planejamentos que fizeram no ano passado e que tenham resultado na supressão, redução ou diferimento (adiamento) no pagamento de tributos. O governo traz a alegação de que a regra trará transparência às relações com o contribuinte e reprimirá o planejamento abusivo, realizado sem os critérios elencados na Medida Provisória.

Ou seja, a partir de agora, quem pretender organizar suas atividades e negócios de modo a recolher menos tributos, ainda que de acordo com as leis, deverá informar tais ações à Receita Federal, a fim de que esta aprove, ou não, o que está sendo realizado. Caso o Fisco concorde, não haverá qualquer sanção. Na hipótese, todavia, de a Receita discordar do planejamento e entender que não há motivo que justifique aquela forma de organização, havendo o simples intuito de pagar uma menor carga tributária, realizará a cobrança do que entender devido, mais juros de mora.

Acontece que, se o planejamento não for declarado à Receita Federal e esta possuir o entendimento de que deveria ter sido informado, sua conduta será, desde logo, considerada dolosa, sendo presumido que ocorreu fraude ou sonegação fiscal de forma intencional, inclusive passível de responsabilização penal. Haverá a exigência integral do tributo, adicionado de uma multa de 150% (cento e cinquenta por cento), além da denúncia do contribuinte por crime de sonegação.

Referida previsão, expressa no artigo 12 da Medida Provisória, tem sido a disposição mais criticada pelos tributaristas, pois cria a presunção de sonegação e fraude pela simples falta de uma declaração, em relação à qual, diga-se de passagem, pairam critérios altamente subjetivos, que podem ser interpretados de formas muito distintas.

Como se vê, trata-se a inovação de uma medida de verdadeiro autoritarismo e centralização. A Medida Provisória representa entrave à livre iniciativa, que visa organizar suas atividades para ampliar lucros e reduzir despesas, como qualquer sistema capitalista. Já que um dos custos mais pesados de qualquer empresa é o tributário, a tentativa de sua redução passa a ser adotada como regra pelos empresários em geral.

Vários ferimentos à Constituição Federal podem ser percebidos na fatídica inovação trazida pela Medida Provisória 685.

Primeiramente, o artigo 12 da MP vai contra a presunção de inocência prevista no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”). A conduta criminosa passou a ser alvo de presunção. Não informar ao Fisco algo por não ter certeza de ser preciso pode gerar condenação criminal.

Tal situação torna crime contra a ordem tributária uma simples omissão ou esquecimento, realizado antes de qualquer lançamento tributário (verificação da ocorrência do fato gerador e da matéria tributável, definição do valor e do sujeito passivo), o que contraria até mesmo a lógica exposta pela Súmula Vinculante nº 24 do STF, de que não existe crime contra a ordem tributária antes do lançamento do tributo.

A melhor ideia a ser adotada seria a de que, verificadas inconsistências nas declarações do contribuinte ou a própria falta de declaração, ocorreria a notificação para que fossem prestados esclarecimentos, previamente ao lançamento do crédito tributário, garantido-se o devido processo legal e a ampla defesa, bem como resguardando a presunção relativa decorrente de eventual inconsistência ou omissão da declaração.

Além disso, a pesada exigência viola um dos maiores fundamentos de nossa República, a livre iniciativa, verdadeira base da ordem econômica (artigo 170, “caput”, CF/88), já que a liberdade passará a ser submetida a prévios controles e a graves sanções. Por se tratar de uma situação obrigatória, torna-se burocrática, autoritária e, com certeza, deixará ainda mais difícil a atividade empresarial no Brasil. Afinal, planejar os custos dentro de limites legais é direito do empresário, principalmente em uma economia de mercado altamente competitiva.

Importante ressaltar, ainda, que não há relevância ou urgência que motivem essa nova exigência, condições imprescindíveis para instituição de uma Medida Provisória, conforme artigo 62 da CF/88 (“em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”). A elaboração de um Projeto de Lei sobre o tema seria o meio mais justo e democrático de normatizar o caso.

É importante lembrar que, nos casos em que negócios ou operações declarados pelo contribuinte ainda não tenham sido realizados, ou seja, quando a declaração à Receita Federal for referente a eventos futuros, a informação será tratada como consulta tributária, tornando vinculado à resposta o posicionamento da autoridade fazendária sobre aquele assunto.

Levando em conta o atual momento político do país e analisando a elaboração da Medida Provisória, pode-se arriscar dizer que o intuito do Governo Federal com a criação dessa nova exigência vai bem mais ao encontro de uma política que visa aumentar a arrecadação tributária do que, efetivamente, criar um novo modo de diminuição da evasão fiscal baseado no diálogo e cooperação entre contribuinte e Receita Federal.

Alguns parlamentares da Câmara dos Deputados, no entanto (e felizmente), já têm se manifestado contrários a tal exigência. O deputado federal Milton Monti (PR-SP), por exemplo, apresentou duas emendas ao projeto da Medida Provisória. A primeira delas para retirar do texto original a íntegra de seu artigo 12, que presume como crime a falta de declaração do planejamento tributário à Receita Federal. A outra, caso a primeira não seja aceita, visando alterar referido artigo 12 para excluir a fatídica presunção de criminalização da omissão. Ambos os casos seriam salutares, à medida que os contribuintes estariam mais seguros contra prováveis arbitrariedades do Fisco.


Conrado Ramazini
Perito Contábil
CRC SP260301

Formado em Ciências Contábeis (2011), atuando como Perito Contábil Assistente e Judicial desde 2012, após diversas experiências nas áreas financeira e administrativa.

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