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Até Jesus ficaria de fora do Estatuto da Família de Cunha


Jesus, segundo consta, era filho de uma virgem, concebido por um Espírito Santo. Maria, sua mãe, vivia com um carpinteiro, José, que se tornou o segundo pai do menino. Em suma, se vivessem no Brasil de 2015, estariam sob risco de ficar de fora do tal Estatuto da Família, a mais nova e retrógrada legislação concebida pelos fundamentalistas do Congresso Nacional, capitaneados pelo suposto cristão Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O tal Estatuto da Família é mais um capítulo da cruzada contra os direitos individuais que viceja em um Congresso pautado, cada vez mais, por deputados religiosos (e oportunistas). O texto, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, considera família a união única e exclusiva entre um homem e uma mulher. Famílias homoafetivas ou poliafetivas (caso da de Jesus, diga-se) estariam, em tese, fora da lei.

A comparação com a virgem de Nazaré, o carpinteiro, a pomba divina e o menino Deus pode até soar desrespeitosa. Mas se trata justamente de debater o desrespeito, neste caso do atual Congresso com parte considerável da sociedade brasileira que vive em núcleos familiares dos mais diversos – casais gays, de lésbicas, de pessoas transexuais, polifamilias, etc.

A escalada conservadora tem outros capítulos perversos. Voltou a debate o Projeto de Lei 5069/2013, do próprio Cunha, outra marcha a ré nos direitos humanos e individuais das mulheres. O texto diz que a vítima de estupro só poderá receber atendimento na rede de saúde se antes tiver passado pela polícia e se submetido a um exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal.

Para piorar a história, o texto ainda quer proibir a distribuição da pílula do dia seguinte em casos de violência sexual. Ou seja, querem forçar as mulheres estupradas a levar adiante uma gravidez fruto de um crime (lembrando que esta mesma mãe e filho ainda não poderão ser chamados de “família”, na concepção destes mesmos deputados conservadores).

Tudo isso se dá logo após os mesmos fundamentalistas conseguirem barrar, País afora, a inclusão nos Planos Municipais de Educação do debate sobre a questão de gênero nas escolas. Falar sobre gênero é combater o machismo que endossa a violência sexual que as mulheres vivem no seu dia a dia. É combater bullying nas escolas, que faz com que adolescentes LGBTs estejam no topo dos rankings de suicídios.

Ou seja, falar sobre gênero é falar sobre tolerância. E a pressão dos religiosos foi tão grande que até inventaram um termo, a tal “ideologia de gênero”, uma mentira que ganhou ares de verdade no debate raso dos conservadores.

Na Comissão de Constituição e Justiça, o Estatuto da Família foi aprovado com os votos do PSDB, do PV, do PSC, do PSB, do PSD, do Solidariedade, do PP, do DEM. Votaram contra apenas o PT, o PSOL, o PCdoB e o PTN.

Por ora, "transviados” de todo o Brasil não precisam se atemorizar. Caso seja aprovado no plenário da Câmara e do Senado, é praticamente certo que o caso vá parar no Supremo Tribunal Federal, que deve considerar nulo esse ponto do tal Estatuto e derrubar a legislação. É o STF mais uma vez salvando o País da pequenez dos ditos representantes do povo.

Mas é bom lembrar que está justamente aí o ovo da serpente. Há poucos anos, ninguém poderia imaginar que em pleno século 21 deputados e senadores estivessem mais ocupados em legislar sobre o corpo alheio do que sobre questões que realmente importam para o País. Mas aí vieram os deputados pastores, irrigando campanhas com dizimo que não paga imposto e querendo cada vez mais espaço. O resultado esta aí: Eduardo Cunha, um dos mais insólitos representantes do conservadorismo religioso brasileiro, na presidência do Legislativo nacional.

Não se enganem... Depois de conquistarem a mídia, pautarem o Congresso, os fundamentalistas religiosos, logo mais, darão o próximo passo – fazer lobby para a indicação do primeiro ministro evangélico do STF. Tempos obscuros.

Conrado Ramazini
Perito Contábil
CRC SP260301

Formado em Ciências Contábeis (2011), atuando como Perito Contábil Assistente e Judicial desde 2012, após diversas experiências nas áreas financeira e administrativa.

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