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Aplicação do art. 412 do Código Civil em relação às multas previstas em normas coletivas


Por força do parágrafo único do artigo 8.º da CLT é aplicável o Código Civil.

Assim, deve‐se observar o artigo 412 do Código Civil de 2002 (antigo art. 920 do Código Civil de 1916), que veda que a multa seja superior ao valor da obrigação principal.

Inexiste, entretanto, na CLT, disposição sobre a limitação da multa prevista na norma coletiva. O inciso VIII do artigo 613 da CLT não prevê a limitação da penalidade estabelecida pelas partes. Sendo omissa a CLT sobre o assunto, "o direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste". Não há, contudo, incompatibilidade entre as normas e princípios de Direito do Trabalho para aplicação do Código Civil, havendo, sim, lacuna na CLT.

Na verdade, a multa prevista no instrumento normativo não é um direito trabalhista, mas uma verdadeira cláusula penal. O inadimplemento no decorrer do tempo de determinada cláusula da norma coletiva pode ensejar o pagamento de valor muito superior ao principal, porque a multa geralmente é diária, excedendo o que seria devido a título de principal ao empregado. Torna, assim, extremamente injusta a compensação pelo inadimplemento, causando enriquecimento injusto do empregado em detrimento do empregador.

O limite do artigo 412 do Código Civil é uma forma de restrição à liberdade das partes, não tutelando exageradamente o interesse dos particulares. No dizer autorizado de Clóvis Bevilácqua, o preceito contido no artigo 412 do Código Civil "é uma disposição de ordem pública". Independentemente da solicitação da parte interessada, é dever do juiz reduzir a pena ao valor da obrigação, mesmo que o devedor não o requeira (Darcy de Arruda Miranda Jr.; Serpa Lopes).

Não há nulidade da obrigação principal se a cláusula penal excede o valor da referida obrigação.

A nulidade diz respeito ao que exceder, que não invalida o que foi pactuado na obrigação principal pelas partes.

Caso assim não se proceda, estaria desvirtuada a finalidade da cláusula penal, que nada mais representa do que um reforço da obrigação principal. Logo, a cláusula penal não pode ser superior à obrigação principal e, se cumprida em parte a obrigação, poderá ser a pena reduzida proporcionalmente pelo juiz, em caso de mora ou de inadimplemento (art. 413 do Código Civil), porém o credor não necessitará alegar prejuízo para a exigência da pena convencional (art. 416 do Código Civil).

Despiciendo o argumento de que as penalidades contidas na norma coletiva hão de ser interpretadas sistematicamente em consonância com o art. 8º do Decreto n.º 22.626, de 7‐4‐1933 ("Lei de usura"), porque, no caso, a multa ou cláusula penal, prevista na norma coletiva, não foi estabelecida para atender a despesas judiciais e honorários de advogado (estes praticamente inexistentes na Justiça do Trabalho, visto que há necessidade de assistência do sindicato ao obreiro, e que este perceba menos de dois salários, conforme o art. 14 e seus parágrafos da Lei nº 5.584/70 e as Súmulas 219 e 329 do TST). A multa prevista na norma coletiva é pactuada visando justamente ao pleno cumprimento daquela norma e não outra coisa. Além disso o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o Decreto nº 22.626/33 só é aplicável a contratos de mútuo (RT 157/311 e Súmula 596), não sendo o caso de se discutir o descumprimento de norma coletiva.

Ensina Silvio Rodrigues que o intuito da cláusula penal "é indenizar danos resultantes do inadimplemento; como a indenização não deve ultrapassar o montante do prejuízo; como, em tese, o prejuízo não excede o montante da prestação sonegada, o preceito se inspira em preocupação justa". Assim, deve também ser aplicado o artigo 412 do Código Civil para limitar o valor da multa ao da obrigação principal decorrente da violação da norma coletiva, pois a multa nela prevista também tem natureza indenizatória e de cláusula penal. Mesmo a norma coletiva não impondo limitação à multa pela inobservância de suas disposições, deve ser utilizado o comando contido no artigo 412 do Código Civil, em razão do preceito de ordem pública nele encerrado. Com efeito, a multa prevista na norma coletiva é uma indenização convencionada entre as partes convenentes. O mesmo ocorre quando locador e locatário fixam uma multa no contrato pelo atraso no pagamento dos aluguéis, que normalmente é estipulada em três vezes o valor do aluguel, sendo que os magistrados da Justiça Comum limitam tal multa ao valor de um aluguel, com base na regra do artigo 412 do Código Civil, em caso de descumprimento do acordo locatício. Nada impede, por conseguinte, a aplicação de tal preceito do Código Civil no Direito do Trabalho.

O argumento de que a limitação da multa não pode ser aplicada em ação de cumprimento não colhe, ao se afirmar que é vedado questionar sobre matéria de fato e de direito já apreciada na decisão do dissídio coletivo (parágrafo único do art. 872 da CLT). Ao contrário, não sendo a limitação do valor da multa objeto da decisão, é possível, na ação de cumprimento, discutir seu limite em valor não superior ao do principal.

Inacolhível também a ponderação de que se a multa não excedeu o previsto no artigo 412 do Código Civil, na norma coletiva, não pode ser aplicada na ação de cumprimento. Acontece que na norma coletiva a previsão de multa é genérica e somente vai ser realmente observada na ação de cumprimento; nesta é que se irá limitá‐la em valor não superior ao da obrigação principal, sob pena de infringir preceito de ordem pública (o valor do acessório (multa) não pode ser superior ao do principal), objeto da pretensão no dissídio individual.

Se a limitação da multa não foi estabelecida na sentença, e ocorrendo a coisa julgada, a decisão terá força de lei nos limites da lide e das questões decididas (art. 468 do CPC), não podendo, pois, ser aplicada na execução do julgado. Nos embargos, o devedor não poderá invocar, pela primeira vez, o disposto no artigo 412 do

Código Civil para limitar o alcance da multa da norma coletiva, porque naqueles a matéria ventilada está restrita ao cumprimento da decisão ou acordo, quitação ou prescrição da dívida (§ 1.º do art. 884 da CLT). Logo, não pedida a aplicação do artigo 412 do Código Civil na defesa, ou não aplicado tal dispositivo pelo juiz na sentença, é vedado discuti‐lo na execução.

É, portanto, plenamente aplicável o artigo 412 do Código Civil para limitar o valor da multa prevista na norma coletiva ao valor da obrigação principal, por ser o Direito Civil fonte subsidiária do Direito do Trabalho, mormente pela inexistência de qualquer incompatibilidade com os princípios do último (parágrafo único do art. 8.º da CLT). No mesmo sentido, o entendimento da Orientação Jurisprudencial nº 54 da SBDI‐1 do TST.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal declarou que a regra do Código Civil é "uma disposição de ordem pública. Daí a congruência: o juiz é obrigado a reduzir a pena ao valor da obrigação, mesmo que o devedor não a requeira" (j. 15.5.99, Revista de Direito, 57/187).

Conrado Ramazini
Perito Contábil
CRC SP260301

Formado em Ciências Contábeis (2011), atuando como Perito Contábil Assistente e Judicial desde 2012, após diversas experiências nas áreas financeira e administrativa.

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